20 em 20: Texto #5 Memórias



É uma tarde de quinta-feira e decido escrever sobre memórias. Minhas memórias. Olho alguns segundos para a tela em branco do computador; o cursor, pacientemente, espera as palavras surgirem. Começo a digitar algo sobre a primeira vez em que andei de bicicleta. Na primeira frase, porém, ouço minha avó me chamar para tomar café em sua companhia e rapidamente junto-me a ela. O cheiro do café já tomou conta do ambiente. Os pães e torradas sobre a mesa e, bem próximos, o açúcar e o leite. Uma mesa tipicamente organizada por ela.
Encho a xícara de café, pego um pão e duas torradas. Duas colheres de açúcar e de leite. Acompanhando uma dose de histórias da minha avó. Dos tempos de sua meninice e brincadeiras com seu irmão – há muito falecido. Observo-a atentamente e percebo que linhas se formam em sua testa enquanto ela conta suas aventuras. Seus cabelos tão brancos compõem uma imagem que me fazem viajar e imaginar a menina que ela fora um dia. “Eu já fui criança, sabe?!” ela diz mais para si, como que para relembrar. Um gole de café. Uma mordida no pão. E outra história. Agora de sua vida adulta. E enquanto ela me falava eu me perdia em suas memórias. Cada uma delas. Mesmo naquela em que ela disse que pensou em fugir para Brasília. “Brasília, vó?” disse eu entre risos. “Sim, Brasília... Mas isso faz tanto tempo.”
Meu café chega ao fim e percebo que ela apenas bebericou o seu. Seus olhos agora distantes, em um lugar inalcançável. Admiro-a por alguns instantes até que ela voltou para o presente e disse:
- Não há vitória sem luta, sabe disso? Não teríamos pelo que comemorar se não tivesse sido tão difícil. 
Talvez ela estivesse se referindo a algo específico e, mesmo não entendendo muito bem, concordei. Em seguida, levanto-me e volto ao computador. Apago a única frase digitada e escrevo sobre ela. Sobre suas lutas. Sobre suas memórias.

Então percebo que talvez eu o tenha enganado, caro leitor. Perdoe-me! Não queria fazê-lo, pois essas não são minhas memórias. Apenas reproduzi nesta página em branco o tempo vivido por alguém muito querido.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Transborde!

Isso não é um adeus

Tag Livros por feitiços